(Um documentário para quem quer conhecer Caymmi)
O baiano Dorival Caymmi, nascido em 1914 e falecido em 2008, aos 94 anos, é o que todos podemos chamar de multifacetado. Foi cantor, compositor, instrumentista, poeta, pintor e ator. E a partir de 25 de abril de 2024, semana em que Caymmi completaria 110 anos, chega aos cinemas brasileiros, o terceiro documentário realizado sobre ele, o longa-metragem documental, Dorival Caymmi – Um Homem de Afetos, dirigido por Daniela Broitman, distribuído pela Descoloniza Filmes e produzido pela Videoforum Filmes, com coprodução Spcine e Canal Brasil.Com 90 minutos de duração, o documentário concebido em 2019, utiliza como base narrativa uma entrevista, até então inédita, concedida por Caymmi em 1998. E é a partir dessa entrevista, intercalada com depoimentos, que vamos sendo convidados a conhecer um pouco mais sobre o homem, sua vida e sua obra, de uma maneira leve e sutil, tanto em seus acertos quanto em seus erros.
Caetano Veloso, Gilberto Gil e o produtor e amigo Guto Burgos contam como Caymmi possuía um espírito original e irreverente e como isso é visto em suas composições.
A compositora Ana Terra (ex-nora, divorciada de Danilo) revela como, Gabriel Caymmi, (neto de Caymmi), quando criança, achava que todas as pessoas eram artistas como seus familiares e costumava perguntar na escola para todo mundo que instrumentos tocavam ou o tipo de pintura que faziam.
A narrativa é complementada com histórias curiosas contadas pelos filhos Nana Caymmi, Dori Caymmi e Danilo Caymmi (com quem o pai tinha mais afinidade).
Entre as histórias, algumas não muito felizes, como as relatadas por Nana, que presenciou como o apego a bebida na década de 1960, levou seu pai ao alcoolismo e como “foi feia a coisa”. Recordando ainda, o período de sete anos que ficou sem falar com o pai por este se recusar a aceitar sua decisão de se separar do primeiro marido, com quem se casou e viveu na Venezuela. “Lugar de mulher é ao lado do marido”, ao que Nana respondeu “pra você, porque pra mim não”.
Dori Caymmi se emociona ao falar da maneira única que seu pai tocava violão. Enquanto Danilo Caymmi, relembra quando seu pai participou do filme Capitães de Areia (1971), como o estivador João de Adão, durante um sepultamento no mar, cantando Suíte dos Pescadores (também conhecida como Canção da Partida, 1957) e o quanto isso marcou o cinema na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que traduziu a letra da música para o russo.
Nesse momento, a emoção é palpável, o que é essencial para a fluidez do documentário, enriquecendo-o com as experiências pessoais para com a vida e o legado de Caymmi de perspectivas diferentes.
Durante toda sua duração, entre um depoimento e outro, ouvem-se as obras primas do compositor como “O vento”, “O bem do mar”, Saudade da Bahia”, “Oração da mãe menininha”, “Samba da minha terra” entre tantas outras. Cantadas por Caymmi e por vários intérpretes, inclusive Tom Jobin (1927-1994) e a Banda Nova.
Mas uma coisa é certa, como diz Dorival Caymmi durante o documentário, o melhor intérprete de suas composições seria ele mesmo. Tanto que, ao escrever a letra de “O que é que a baiana tem?” imortalizada na voz de Carmen Miranda, Caymmi diz ter ensinado a Carmen os trejeitos para executar em sua performance.
A religião de Caymmi também é abordada no longa, reafirmando que apesar de devoto do Candomblé e dos orixás, também o era do catolicismo.
Um dos relatos mais curiosos, ocorreu quando, ainda desconhecido, Caymmi foi em uma rádio buscando divulgar suas músicas. O responsável o ouviu e pediu que voltasse na semana seguinte. Ao retornar, Caymmi viu que o responsável agora estava acompanhado de outro homem que permaneceu calado. Caymmi cantou novamente e após terminar, foi questionado se tinha mais músicas compostas. Ao afirmar que sim, lhe foi dito que aquele homem calado era Assis Chateaubriand e que havia sido contratado.
Agora, são os relatos da ex-cozinheira e confidente Cristiane de Oliveira que atingem o espectador em cheio. É contada as histórias de infidelidade de Caymmi, em que notamos que Stella Maris (1992-2008), sua esposa, era uma mulher de pulso firme. Em uma das vezes, Stella descobriu quem era uma das amantes de Caymmi, se tornou amiga da mesma, e a convidou para jantar sem que Caymmi soubesse. Quando ele viu as duas juntas, Stella o colocou contra parede “ou ela ou eu”. Em outra oportunidade, Stella mandou um recado através de terceiros para que Caymmi retornasse dos seus shows nos Estados Unidos e ele o fez imediatamente.
O desfecho poético ocorre ao ser relatado que Caymmi sempre dizia a Stella que aonde ela fosse, ele estaria antes a esperando. E quando Stella ficou hospitalizada e inconsciente, Caymmi, na sequência, ficou doente e morreu onze dias antes de sua amada. Um faleceu sem saber que o outro havia falecido. Dorival Caymmi – Um Homem de Afetos é um documentário para quem quer conhecer não apenas a obra, mas também a pessoa por trás do mito, suas virtudes e seus defeitos, ao som de clássicos da MPB e muitos momentos que irão tocar os espectadores, para rir, cantar ou chorar.
Publicado originalmente em https://www.parsageeks.com.br/2024/04/critica-cinema-dorival-caymmi-um-homem.html
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