“Clube Zero”, longa-metragem dramático de suspense austríaco, distribuído pela Pandora Filmes, estreia, oficialmente, nos cinemas, a partir de 25 de abril de 2024, mas sua produção foi realizada em 2023, período em que foi exibido no Festival de Cannes, onde integrou a Seleção Oficial para concorrer à Palma de Ouro. Não ganhou.
Alguns temas podem ser sensíveis a quem o lê ou o assiste, gerando gatilhos psicológicos, muitas vezes involuntários, como forma de defesa. Tanto essa crítica quanto o filme em voga, podem gerar gatilhos em determinados indivíduos. E vamos entender o porquê logo abaixo, mas antes é preciso compreender o sentido de Seita e de Body Horror.
Definir alguma coisa nunca é uma tarefa fácil. Ainda mais quando se trata de algo a que é atribuído um sentido amplo. Sendo assim, é mais fácil descrever suas características do que realizar propriamente sua definição. E é assim que farei para apontar o que pode ser considerado uma Seita: pessoas que se reúnem para seguir um líder vivo autoritário, religioso ou quase, com crenças incomuns ou divergentes da dominante, se isolando do mundo exterior (sociedade em geral) ao qual consideram descrentes e hostis, promovendo doutrinas não convencionais e práticas novas, que acreditam ser superiores as habituais.
Já, o terror moderno possui diversos subgêneros, entre eles, o body horror (terror corporal) onde graficamente se apresentam para os espectadores mudanças corporais nos protagonistas que beiram a perturbações psicológicas.
Dito isso, vamos nos debruçar sobre o enredo do filme e o que ele aborda especificamente, durante suas quase duas horas de duração.
Em uma escola que nunca sabemos o nome, cuja época também nunca nos é dita, é realizada (com o apoio do conselho de pais) a contratação de uma nova professora, Miss Novack (Mia Wasikowska), que possui um programa nutricional inovador, chamado de “Alimentação Consciente”. Sete alunos se inscrevem para sua matéria, sendo um deles apenas para conseguir nota e consequentemente sua tão almejada bolsa de estudos. Durante o início da implantação de seu programa entre os jovens, tudo parece um pouco absurdo, mas dentro de um limite aceitável. Porém, conforme suas lições evoluem, os cinco estudantes que persistem na matéria, Elsa (Ksenia Devriendt), Fred (Luke Barker), Ragna (Florence Baker). Helen (Gwen Currant) e Ben (Samuel D. Anderson) irão se submeter a transtornos alimentares, e por que não, autofagia, até alcançarem a capacidade de viver sem alimentação, o que dá nome ao filme.
O filme traz uma salada de críticas sociais, contra o capitalismo exacerbado, desperdício, misturado com teorias conspiratórias e principalmente, pais ausentes e distantes dispostos a pagar o quanto for necessário para manter seus filhos longe de vista, transferindo a responsabilidade do que lhe caberiam para os educadores.
Os adolescentes do filme são retratados como incompreendidos e com núcleo familiar desestruturado, suscetíveis a influência do que atualmente chamamos de cultura de coach em que um líder se aproveita dessa falta de autonomia pessoal e de aceitação própria e lhes promete o que procuram, neste caso, o acolhimento faltante na família ou nos grupos sociais que desejam pertencer.
Os pais, ou demais figuras adultas do filme, são retratadas como falhos, independente da classe social, evitando confrontos ou esquivando-se de se impor na condição de desvalidar os pensamentos impostos pela Miss Novack á seus filhos, mesmo diante do definhar cada vez mais severo.
Vale ressaltar, a cena em que Elsa, diante de seus pais, se alimenta, regurgita e o come, para demonstrar que a sociedade é quem determina o que satisfaz o corpo, mas que com autocontrole, o próprio indivíduo pode tomar as rédeas de o que, quando e como comer.
A direção fica por conta de Jessica Hausner, responsável por outro longa metragem, chamado “Little Joe”, que gerou burburinho em seu lançamento no ano de 2019.
A trilha sonora e a sonoplastia são muito boas, pois, ajudam o espectador a sentir a repulsa dos personagens quando chega o momento das refeições. Os sons dos talheres contra um prato ou mesmo o barulho da mastigação incomodam.
A meu ver, o filme possui três problemas que comprometem a narrativa, sendo o primeiro, o ritmo arrastado que tira a dinâmica de algumas situações. O segundo, uma contradição a respeito da palidez de Miss Novack que fica bem longe da palidez cadavérica dos alunos e de suas consequências físicas. E o terceiro, uma relação amorosa introduzida sem maiores explicações e que não serve pra nada. Assistam e tirem suas próprias conclusões!
Publicado originalmente em https://www.pegaessanovidade.com.br/pega-essa-dica-clube-zero/
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