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A Semente do Fruto Sagrado (The Seed of he Sacred Fig, 2024), longa-metragem dramático iraniano, distribuído pela Mares Filmes, estreia, oficialmente, nos cinemas brasileiros, a partir do dia 09 de janeiro de 2025, com classificação indicativa 14 anos e 165 minutos de duração.
Iman (Missagh Zareh) é um fervoroso defensor dos valores e leis da República Islâmica e, no início da história, ele acaba de ser promovido a investigador, uma posição logo abaixo a de juiz, o cargo que realmente almeja. E com essa posição, vem uma pistola.
No filme, dirigido pelo iraniano Mohammad Rasoulof, tudo gira em torno de uma pistola desaparecida, ainda que, somente próximo de sua metade, Iman perceba que a arma sumiu. No entanto, ela já havia desempenhado um papel crucial na trama desde o início.
A arma é para proteção, dizem a ele. Nas ruas de Teerã, podem existir muitos dissidentes que gostariam de eliminar um dos principais funcionários da teocracia. A arma também simboliza seu novo status em uma hierarquia brutal, onde ele detém o poder de vida e morte sobre pessoas que nunca conheceu. Ele logo descobre que os promotores exigirão que ele assine sentenças de morte de acusados cuja culpa ele não está realmente investigando.
Iman recebe sua promoção pouco antes do movimento “Woman Life Freedom” varrer o Irã em setembro de 2022, desencadeado pela morte sob custódia de Mahsa Amini, de 22 anos, detida por usar o hijab de forma inadequada.
A maior parte da primeira metade do filme concentra-se na família de Iman: sua esposa Najmeh (Sohelia Golestani) e suas filhas adolescentes Rezvan (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki). Vale destacar que essas três atrizes atuaram nas cenas domésticas sem usar hijab, uma decisão corajosa que pode colocar suas carreiras em risco, visto que desde a Revolução, as regulamentações iranianas exigem que as mulheres usem hijab em todas as cenas, incluindo aquelas ambientadas em casa, onde a maioria das mulheres normalmente removeria a cobertura da cabeça.
Quando a família é apresentada pela primeira vez, ela parece repleta de tensões e desconexões comuns. As filhas prestam pouca atenção ao pai, que está constantemente preocupado com o trabalho, e ele, por sua vez, as ignora da mesma forma. A mãe atua como mediadora, e seu papel se torna ainda mais delicado e crucial após a promoção de Iman. Ele transfere seu nervosismo e preocupação do trabalho para ela, e ela informa às meninas que devem ser extremamente cuidadosas com tudo: o que vestem, o que dizem em público, com quem se associam e, talvez de forma mais importante, o que postam nas redes sociais.
A notícia da morte de Mahsa Amini é um choque. Iman, repetindo a narrativa da mídia estatal iraniana, diz que a jovem teve um derrame. No entanto, Rezvan e Sana não acreditam nisso nem por um momento. Uma noite, enquanto a família janta e a TV transmite as notícias oficiais, Rezvan resmunga: “Mentiras, tudo mentiras”, provocando a ira de Iman. A partir daí, nada mais de TV durante o jantar. Porém, isso mal reduz a fúria crescente que se manifesta cada vez mais nas ruas de Teerã.
O que é revelado gradualmente ao longo do filme por meio de clipes de vídeos de celular dos eventos reais, que são inegavelmente mais impactantes do que cenas encenadas. Vemos jovens correndo pela cidade, perseguidos pela polícia de choque, com o hijab de muitas mulheres jogado ao longe. E então há corpos nas ruas, com riachos escarlates de sangue manchando o pavimento ao lado deles.
O diretor extrai performances excepcionais de todo o elenco, mas o trabalho de Sohelia Golestani como Najmeh se destaca especialmente. Ela retrata de maneira sutil e gradual a transição de defensora do marido para aliada das filhas. Em uma das cenas mais emocionantes do filme, uma jovem chamada Sadaf (Niousha Akhshi), amiga de faculdade de Rezvan, chega ao apartamento ferida nos tumultos, com um lado do rosto ensanguentado e cheio de chumbo grosso. Najmeh remove cuidadosamente os pedaços de chumbo e os descarta na pia, junto com uma quantidade impressionante de sangue – uma imagem perturbadora.
Missagh Zareh também brilha como Iman, um homem que se vê violentamente alienado de sua família, não apenas pelos acontecimentos nas ruas do Irã, mas também pelo mundo em que habitam. Quando Sana expressa o desejo de pintar o cabelo de azul, Najmeh tenta explicar que isso é comum entre os jovens de hoje. No entanto, a única resposta de Iman é: “É contra Deus”, algo em que ele realmente acredita.
Após o desaparecimento da pistola, inicia-se uma busca cada vez mais desesperada por ela, perturbando a família e colocando em risco a posição de Iman no trabalho. Próximo a seus minutos finais, a narrativa se transforma em um thriller completo, levando a família em uma viagem de carro para a vila natal de Iman, enquanto a questão da pistola desaparecida permanece provocativamente em aberto. Esta última parte é inegavelmente fascinante, encenada com uma habilidade de tirar o fôlego, e com uma imagem final que funciona como um grito de guerra pela derrubada do patriarcado.
Em resumo, “A Semente do Fruto Sagrado” é uma obra corajosa e provocativa que explora os efeitos devastadores da paranoia e da opressão em uma família durante tempos de crise política. Com uma direção habilidosa e atuações acima do comum, o filme é uma reflexão profunda sobre a luta pela liberdade e a resistência contra regimes opressivos. É uma obra que merece ser vista e discutida, especialmente em tempos de crescente conscientização sobre direitos humanos e liberdade.