A Contadora de Filmes (por Peter P. Douglas)

            A Contadora de Filmes (La Contadora de Películas AKA The Movie Teller, 2023), longa-metragem dramático, coprodução México, Brasil e Chile, distribuído pela Diamond Films, estreia, oficialmente, nos cinemas brasileiros, a partir do dia 28 de novembro de 2024, com classificação indicativa 12 anos e 116 minutos de duração.

            Antes de adentrar na análise propriamente dita, preciso ressaltar que se trata de um filme falado em espanhol, ambientado no Chile, dirigido por uma dinamarquesa e com um elenco cujos maiores nomes são conhecidos por filmes franceses e alemães. E como se isso não bastasse, ainda celebra o cinema ao apresentar e citar obras como “O Homem que Matou o Facínora” (1962), “Os 10 Mandamentos” (1956), “O Demônio das Onze Horas”(1965), “Spartacus” (1960), “Se Meu Apartamento Falasse” (1960), “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964), “A Um Passo da Eternidade” (1953), “Glória Feita de Sangue” (1957), entre outros filmes.

            Lone Scherfig, mais conhecida por seu drama indicado ao Oscar em 2009, “Educação”, acabou dirigindo o projeto que o diretor brasileiro Walter Salles vinha nutrindo há anos. Baseado no romance best-seller de Hernán Rivera Letelier, o roteiro do filme foi escrito por Salles, Rafa Russo e Isabel Coixet.

            Bérénice Bejo e Daniel Brühl com certeza são os atores mais conhecidos do elenco, porém quem realmente domina o filme são Alondra Valenzuela e Sara Becker. Juntas, elas interpretam as duas fases de María Margarita, uma jovem que vive para as idas de sua família ao cinema local todo domingo. O pai, Medardo (Antonio de la Torre), trabalha na mina de salitre local, assim como quase todos os homens da cidade. A mãe, María Magnolia (Bejo), cuida dos quatro filhos, mas ainda anseia por uma vida no palco ou na tela.

            Domingo no cinema é um grande ritual para a família, mas isso muda quando uma explosão coloca Medardo em uma cadeira de rodas e tira seu sustento. Não podendo mais pagar ingressos de cinema para toda a família, resolvem enviar uma criança por vez, em cada sessão dominical, a fim de que descreva o filme assistido aos demais. Depois que seus irmãos falham na tarefa, chega a vez de María Margarita, que acaba tendo um talento especial para lembrar o que viu e capturou em palavras. “Aquela garota maluca narra filmes em preto e branco como se fossem em Technicolor e CinemaScope”, diz um morador surpreso que pede a Medardo que cobre pelas aparições semanais de sua filha, que passa a assumir o pseudônimo de “Rita Valentina”.

            Esta parte da história é apresentada com delicadeza e lirismo, auxiliada pela graciosa música de Fernando Velázquez. Em um ponto, María Margarita cita a frase de Shakespeare, “Somos feitos da mesma matéria dos sonhos”, e acrescenta, “Acho que somos feitos da mesma matéria dos filmes”.

            Mas para aqueles que pensam que o filme não arrisca outros assuntos em sua narrativa, melhor pensarem novamente. María Magnolia deixa sua família sem aviso prévio, forçando María Margarita a pedir ajuda ao ex-chefe de seu pai, Hauser (Brühl), que sempre pareceu atraído por sua mãe. Os trabalhadores da mina tentam se sindicalizar. O agiota da região contrata María Margarita para contar um filme, mas tem planos mais sombrios para ela. Além disso, a ascensão do regime de Pinochet ameaça devolver o país ao autoritarismo.

            Isso aparenta ser muita coisa para se conciliar com a trama principal que, nada mais é do que a chegada a maioridade de uma jovem mulher e seu amor pelo cinema. Porém, as performances assombrosas de Valenzuela como a jovem María Margarita e especialmente Becker, como a mais velha, mantêm todas as subtramas amarradas a história principal, sem que nenhuma outra se sobressaia.

            Em seus momentos mais felizes, o longa é glorioso e, sim, um pouco cafona. Em seus momentos mais sombrios, ainda é adorável e triste. E com a narração em off de María Margarita, eventualmente podemos nos dar conta de que somos apenas mais uma pessoa no meio do público de Rita Valentina, ouvindo-a contar um filme.

            Em resumo, “A Contadora de Filmes”, de muitas formas, pode ser comparada ao clássico “Cinema Paradiso” (1988), pois ambos os filmes apresentam histórias que exploram a relação com o cinema como um meio de escape e transformação, demonstrando seu poder como experiência coletiva, em tramas repletas de momentos de alegria e tristeza.

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