Longa “Salomé” fará sua estreia mundial no 31° FICValdivia em outubro.

Escrito e dirigido por André Antônio e protagonizado por pessoas trans,o longa traz a mítica personagem Salomé para a cidade do Recife

Segundo longa do pernambucano André Antônio, SALOMÉ fará sua estreia mundial na mostra competitiva do 31º Festival Internacional de Cine de Valdivia, que acontece no Chile entre 14 e 20 de outubro. O filme é uma produção de Dora Amorim, Júlia Machado, Thaís Vidal, as três da Ponte Produtoras e, também, do coletivo Surto & Deslumbramento. O lançamento em cinemas será realizado pela Vitrine Filmes.

A curadoria do FICValdivia apresentou SALOMÉ em seu anúncio da Seleção Oficial de Longas Metragens com o seguinte texto: “O diretor brasileiro André Antônio teve sua primeira aproximação com o FICValdivia em 2021, quando Vênus de Nyke, estudo bastante estilizado sobre a identidade sexual, também participou da Seleção Oficial. Seu novo longa, SALOMÉ (2024) reitera a relevância que o diretor tem dado ao corpo e à estética kitsch como linguagem sobre a qual constroi suas imagens. Nesse sentido, este novo filme opta inicialmente pelos códigos do melodrama clássico e conta a história de Cecília (Aura do Nascimento), uma jovem modelo que mora em São Paulo e retorna ao Recife, sua cidade natal, para passar o Natal com a mãe (Renata Carvalho). Decisão que a faz enfrentar o ambiente precário e conservador de sua adolescência e a levará a se apaixonar por um vizinho (Fellipy Sizernando) que a leva ao culto pagão para ressuscitar a personagem bíblica Salomé. Este último caminho é o que faz este fascinante melodrama caminhar em direção à lógica do corpo, da magia e do fetichismo.”

André Antônio comenta que seus filmes são sempre sobre personagens que estão em busca de prazer, tentando alcançar seus ideais particulares de paraíso, quer seja o retorno à cidade e à casa da infância em A Seita (longa de 2015), por exemplo, quer sejam os cheiros e sabores do sexo fetichista em Vênus de Nyke (média de 2021). Nesse sentido, SALOMÉ não é diferente: “O projeto do meu segundo longa surgiu depois que A Seita foi finalizado. Eu havia lido muita coisa escrita por Oscar Wilde como pesquisa para esse filme mas, depois de lançá-lo, percebi que não conhecia a célebre – e censurada, na época – peça teatral Salomé, de 1891”.

A figura de Salomé – a princesa bíblica responsável pela decapitação de Iokanaan (o nome hebraico para João Batista) – foi frequentemente elevada, ao longo da história da arte, da literatura, do teatro e do cinema, ao status de imagem emblemática de um erotismo queer transgressor. André Antônio, que também assina o roteiro de SALOMÉ, conta que o maior desafio ao escrever foi transpor essa mítica personagem para um cenário bem específico: Recife, sua cidade. “Meu filme não é uma adaptação da peça de Wilde, apenas toma a peça como ponto de partida. O conflito entre alguém cosmopolita e descolada como Cecília e o universo suburbano e provinciano da sua família – conflito sem dúvida compartilhado por muitas existências queer – é algo que permeia o filme através de situações e sensações que vêm da minha própria história pessoal como alguém que veio de uma família pobre mas que acabou, pelos acasos e sortes da vida, realizando o sonho de fazer filmes.”

Para a construção do longa, o diretor conta que tentou trazer o sabor de um melodrama clássico e, claro, fazer isso hoje necessariamente soa camp e artificialista. E, ao fazer SALOMÉ, voltou a cineastas que são a base para a sua visão de cinema: José Mojica Marins, Derek Jarman, Kenneth Anger, Julio Bressane – artistas que acreditam que ver um filme é uma espécie de experiência mística, de fantasia.

André Antônio também destaca o privilégio de trabalhar com o elenco do longa, figuras da arte queer brasileira a quem admira. “Aura do Nascimento, uma das artistas visuais mais instigantes de Recife hoje; Renata Carvalho, um dos nomes fundamentais no debate e na luta das travestis brasileiras e, também, uma diva do teatro e do cinema brasileiros; e Everaldo Pontes, lenda viva do cinema brasileiro.”

Em SALOMÉ, finalmente há personagens e um elenco trans protagonizando uma narrativa que não é sobre a experiência da transição de gênero e da violência advinda do preconceito, temas aos quais essas artistas trans são sempre associadas, não lhes permitindo voos em outras propostas estéticas. Esta é uma demanda frequente, ainda que pouco atendida, das lutas pela representatividade trans. “Mas para além desses nomes, há vários outros rostos, no longa, de uma comunidade sexo-dissidente que existe, que está aqui no Recife. É algo que SALOMÉ compartilha com meus filmes anteriores: a presença de uma comunidade que eu registro e – um pouco na esteira do que Andy Warhol, em seus filmes, fazia com uma certa cena underground da sua época – glamorizo sem pudor.”

SALOMÉ será lançado no Brasil pela Vitrine Filmes

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