Whats Remains of Edith Finch, jogo eletrônico de aventura e terror, desenvolvido pela Giant Sparrow e publicado pela Annapurna Interactive, em 2017, disponível para as plataformas: Playstation 4 e 5, Xbox One e Series S/X, Nintendo Switch e PC.
Estamos presenciando um período empolgante na indústria dos jogos eletrônicos. As superproduções visam atingir números de vendas exorbitantes e, frequentemente, são sequências de franquias bem-sucedidas. Para os estúdios de desenvolvimento, inovar é um desafio arriscado, já que novidades, por mais atraentes que sejam, raramente superam as vendas de sucessos anteriores.
Isso resultou em uma espécie de zona de conforto, um refúgio contra as incertezas do mercado. Neste ambiente, a ordem prevalece. Contudo, é neste contexto que os jogos indie se destacam, evidenciando que a criatividade ainda tem espaço para florescer. Eles mostram que ainda há histórias inéditas a serem contadas e que é possível ainda surpreender e fascinar os gamers.
Um exemplo disso é “What Remains of Edith Finch”, obra dos mesmos criadores de The Unfinished Swan (2012), que confirma que os videogames, como forma de expressão artística, têm muito a oferecer, rivalizando com outras artes como o cinema, a música e a literatura. Este texto não é uma crítica convencional. Não se pode julgar, pelo critério padrão do jornalismo de games, um título singular como o da presente crítica.
Normalmente, poderia se classificar “What Remains of Edith Finch” como um walking simulator, linear, com campanha de três horas e alguns problemas técnicos. Se esses aspectos são cruciais para você, aí do outro lado da tela, (o que é totalmente aceitável), talvez este jogo não seja o mais indicado. Porém, se você percebe os videogames como mais do que mero passatempo, como uma forma de arte que pode desvendar enredos que instruem e tocam o coração, narrativas capazes de alterar nossa percepção do mundo, então… seria prudente interromper sua leitura aqui e vivenciar o jogo sem preconceitos. A experiência será certamente bem mais marcante.
A narrativa nos apresenta Edith Finch, uma jovem que retorna à casa onde cresceu com o objetivo de revelar as crônicas de sua linhagem. Somos transportados para dentro de sua perspectiva, vasculhando cada recanto do lar, interagindo com resquícios do passado. A imersão é total graças ao uso da visão em primeira pessoa, que faz o jogador vivenciar o mundo pelos olhos de Edith. Sua voz, quase como um guia onipresente, nos leva por entre os ambientes, e suas falas, agora transformadas em legendas artísticas, se fixam nas estruturas da casa, desvendando mistérios e direcionando a jornada.
A escrita dessas legendas reflete a essência de quem as escreveu, adicionando uma camada de intimidade à história. Apesar de sua natureza linear, o jogo esconde um desafio sutil: o enigma dos Finch. A chave para desvendá-lo é o diário de Edith, que contém uma árvore genealógica que se completa à medida que progredimos. Esse diário transcende a função de mero registro, atuando como um guia através da aparente simplicidade do jogo, que por vezes pode confundir.
Neste jogo misterioso, a rejogabilidade é elevada. A saga de Edith e os Finchs estimula uma imersão repetida, movida pela vontade de desvendar mais profundamente a trama. Reexplorar o jogo revela significados ocultos e pormenores que antes passavam despercebidos. Apesar de sua jogabilidade parecer simples à primeira vista, o jogo impressiona pela sua variedade e encanto.
Os membros da família Finch são apresentados como personagens únicos, cada um com sua visão e excentricidades, conferindo a cada parte do jogo uma singularidade em termos de história, visual e mecânica. A capacidade do jogo de moldar a narrativa, o design e a jogabilidade para espelhar as peculiaridades de cada Finch é elogiável, refletindo suas paixões, dilemas e desafios.
Há de se exaltar a atenção artística dedicada ao lar dos Finchs, que possui decoração detalhada e objetos que contam histórias delicadas, bem como cômodos que se dobram em configurações inesperadas, e as várias “fases” do jogo que passam por mudanças tão extremas.
Contudo, o encanto verdadeiro está na forma como as narrativas, apesar de suas disparidades aparentes, se enredam em torno de um tema comum: são tragédias entrelaçadas com ironia e, por vezes, um humor sutil. Cada capítulo é um elo numa sequência de eventos desafortunados, contados com uma delicadeza que suaviza sua seriedade inerente.
É fascinante a maneira como “What Remains of Edith Finch” aborda o, frequentemente, evitado e delicado tema da perda com tanta leveza e naturalidade. O jogo não busca extrair lágrimas do jogador por meio de artifícios emocionais, pois isso se mostra desnecessário.
Em relação ao elemento de horror, destaca-se pela habilidade de instigar o medo não por meio de sustos previsíveis, mas através de um clima tenso e cativante. A forma como o terror é apresentado é discreta, porém marcante, provocando calafrios com detalhes mínimos.
No entanto, apesar do impacto emocional profundo que o jogo consegue criar, pode-se argumentar que a inovação do seu tema principal não é tão revolucionária quanto poderia ser. A mensagem que ele passa é importante e pertinente, mesmo que por vezes pareça clichê demais, persistindo a impressão de que poderia ter explorado caminhos mais audaciosos.
Esta cautela se reflete no final da narrativa que, apesar de conter um belo plot twist, parece não atingir o ápice emocional das histórias que o precedem, resultando em um encerramento que pode ser recebido por alguns como precipitado. Apesar disso, certamente é uma obra que desperta admiração.
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