A Mulher Que Nunca Existiu (por Peter P. Douglas)

            A Mulher que Nunca Existiu (Aicha, 2024), longa-metragem tunisiano de drama, distribuído pela Imovision, estreia, oficialmente, nos cinemas brasileiros, a partir do dia 22 de maio de 2025, com classificação indicativa 16 anos e 123 minutos de duração.

            “A Mulher Que Nunca Existiu” se revela um filme onde “tudo” parece acontecer: uma representação completa da sociedade tunisiana pós-revolução, com a personagem-título, interpretada por Fatma Sfar, navegando por diversas esferas sociais e identidades, tanto reais quanto metafóricas. Embora o roteiro possa parecer exagerado e arriscar a credibilidade, há uma energia contagiante na forma como Barsaoui o concretiza. A atmosfera se assemelha à de Dickens, com uma profusão de incidentes, enquanto a protagonista transita da miséria para, ao menos, a riqueza, considerando as lacunas legais através das quais a trama se desenrola.

            Assim como “Grandes Esperanças” começa com a incerteza sobre o nome real de seu herói, Pip, a personagem de Sfar inicia o filme como Aya na cidade deserta de Tozeur, assume uma nova identidade na mais vibrante Túnis como Amira e, então, conclui o filme como Aicha, que significa “viva” em árabe.

            Provando mais uma vez que filmes ambientados em hotéis raramente são desinteressantes, Aya começa a história limpando lençóis de turistas abastados e servindo frutos do mar em buffets luxuosos em seu trabalho na hotelaria. Então, um ônibus que a leva do trabalho para a modesta casa dos pais, onde ainda reside, sofre um acidente trágico em uma estrada deserta e traiçoeira. Rastejando para a segurança, ela vê os serviços de emergência marcando seu nome como falecida e, percebendo uma oportunidade inteligente, não os corrige, partindo para o seu destino dos sonhos, Túnis, com anúncios do Airbnb abertos em seu telefone.

            Lá, ela se estabelece como colega de quarto de Lobna (Yasmine Dimassi), uma doutoranda em Humanas – conforme ela se apresenta – que a introduz à vida noturna da cidade (reforçando a reputação da Tunísia como um dos países mais liberais do mundo árabe) e a uma série de homens poderosos. Ao testemunhar um desses homens sendo assassinado pela polícia, sua mentira corre o risco de ser exposta, pois ela é interrogada pelo investigador Farès (Nidhal Saadi), que busca proteger a reputação da polícia, ao mesmo tempo em que nutre uma incipiente veia moral.

            Este é apenas um breve panorama, e Barsaoui insere pequenas pistas falsas e revelações enquanto constrói a estrutura do enredo, tornando o filme muito envolvente. Com o foco do filme em identidades fluidas, o progresso de Aya/Amira também lembra “Titane” (2021) ao rastrear um processo instável e confuso de libertação feminina (e também em sua fotografia salpicada de reflexos de lente), onde ela se contorce enquanto vários homens tentam aprisioná-la. E eles também são hipócritas, pois várias revelações e “reviravoltas” na trama transmitem que Aya não é a única a esconder fatos vitais sobre si mesma.

            O fato de “A Mulher Que Nunca Existiu” ter sido baseado em histórias reais, atenua sua tendência a atalhos narrativos, afinal, ao ver notícias improváveis serem confirmadas na imprensa, mal conseguimos acreditar nelas também.

  

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