O Universo no Olhar (por Peter P. Douglas)

            O Universo no Olhar (I Origins, 2014), longa-metragem estadunidense de drama e ficção-científica, com classificação indicativa 14 anos e 116 minutos de duração, dirigido por Mike Cahill.

            A música “Dust It Off”, da dupla indie franco-finlandesa “The Dø”, ecoa na mente do biólogo molecular Ian Gray (Michael Pitt) e de Sofi (Astrid Berges-Frisbey), a mulher que desperta sua fascinação. Eles iniciam um romance intenso, apesar de serem opostos: Ian, um cientista dedicado, busca rastrear o gene PAX6 em camundongos para desafiar crenças religiosas, enquanto Sofi é uma alma livre e espiritual.

            O que mais chama a atenção em Sofi são seus olhos únicos — castanhos no centro, azul-acinzentados esverdeados na borda, com manchas de diferentes tonalidades. Desde criança, Ian tem uma obsessão por fotografar olhos, algo que se tornou a base de seu trabalho e sua própria forma de devoção. Ao vê-la, ele sente que foi capturado por seu olhar de maneira irresistível.

            O filme mergulha na relação entre Ian e Sofi em Nova York, mas surpreende ao mudar drasticamente de rumo na metade da trama, levando a narrativa para Idaho e Índia, onde elementos como autismo, hinduísmo e fobia de elevador entram em cena.

            A obra se desenrola como um filme e sua própria sequência, quase como opostos coexistindo em 105 minutos. No entanto, não é necessário aceitar completamente a complexa e, por vezes, contraditória tese de Cahill para reconhecer a obra como um dos filmes mais ousados, intrigantes e cativantes desde a época de seu lançamento.

            O texto de Cahill gira em torno do famoso ditado: “Os olhos são a janela para a alma”. Para um cientista como Ian, a pergunta seria: “Que alma?”. No entanto, ele acredita que os olhos são fundamentais para a identidade humana, sendo usados por governos e corporações como forma de reconhecimento biométrico. Mas será que cada par de olhos é realmente único? E se duas pessoas compartilham exatamente as mesmas características oculares, isso significa que possuem algo em comum além da aparência?

            Ian e Sofi se encontram em uma festa de Halloween em 2006. Ela veste uma jaqueta de couro preta, meias escuras e uma máscara que revela apenas seus olhos. Misteriosa, responde que vem de “outro planeta” e, após um encontro intenso no banheiro da festa, desaparece. O destino os reúne novamente no metrô do Brooklyn, onde ela lhe oferece uma bala e ele compartilha sua música favorita, “Dust It Off”. Sofi é irresistivelmente diferente, e quando sugere que Ian se mude para sua casa, ele hesita: “Você tem um lugar?”. Mas ela já conquistou um espaço — no coração dele, agora e para sempre.

            No laboratório, Karen (Brit Marling), assistente brilhante de Ian, está prestes a alcançar um avanço significativo em sua pesquisa. Ela compartilha a novidade com Ian no dia em que ele e Sofi decidem se casar, mas o casal precisa aguardar 24 horas até que o pedido de licença seja aprovado.

            Ao visitar o laboratório vestida de noiva, Sofi se choca com os experimentos em camundongos e compara Ian ao cientista louco Victor Frankenstein, afirmando: “Acho perigoso brincar de Deus”. Ian, por sua vez, jamais assumiria o papel de uma entidade na qual não acredita.

            Sofi percebe uma conexão especial entre Ian e Karen. Ambos usam óculos, o que, no contexto do filme, simboliza uma barreira emocional que pode tê-los tornado mais racionais e menos sensíveis. Ao observar a proximidade entre eles no trabalho, Sofi intui que Karen pode não ser sua alma gêmea, mas certamente representa uma parceira de vida estável.

            Sete anos depois, Ian se tornou o “Doutor Ian Gray” — um título que ele insiste em usar — e Karen agora é sua esposa, esperando um filho. Os exames do bebê levam Ian a embarcar em uma jornada global em busca de respostas oftalmológicas, aprofundando ainda mais sua obsessão pela identidade ocular.

            Mike Cahill, que já explorou a relação entre ciência e espiritualidade em “A Outra Terra” (2011), transforma seu novo filme em uma espécie de teste de visão cinematográfico. Em diversas cenas, Ian aparece em primeiro plano enquanto o mundo ao seu redor — seja Brooklyn ou Delhi — se move em uma câmera lenta hipnótica. Um trem elétrico projeta sombras inquietantes em um prédio residencial, e imagens de olhos surgem repetidamente, criando um mistério visual que conduz à resolução da trama.

            O longa também brinca com simbolismos numéricos: no dia 11 de novembro, Ian compra um bilhete de loteria às 11h11 e, ao sair da loja, vê um ônibus número 11 — uma referência sutil à dualidade dos olhos. Para quem prestar atenção, o “teste de visão” no final dos créditos sugere uma possível continuação ainda mais intrigante.

            O filme equilibra olhar, mente e emoções de maneira intensa e imprevisível, destacando-se pelo carisma e dedicação de seu elenco. Michael Pitt, apresenta uma atuação que, por vezes, parece desconectada do intelecto curioso de Ian e sua busca por revelações. Por outro lado, Brit Marling, cujo talento em produções independentes é amplamente reconhecido, traz uma combinação de inteligência e magnetismo sutil à sua personagem, sempre próxima dos temas centrais da trama. Já Astrid Berges-Frisbey, que interpretou uma ninfa em “Piratas do Caribe 4: Navegando em Águas Misteriosas”, exala um charme enigmático e espontâneo, quase como se pertencesse a outro tempo ou dimensão — uma qualidade que reforça a aura enigmática de Sofi.

            Archie Panjali e a indiana Kashish também merecem destaque por suas atuações marcantes como duas figuras compassivas que cruzam o caminho de Ian em Delhi. Ambas trazem profundidade e energia ao terceiro ato do filme, ajudando a conduzi-lo de volta às suas origens, onde a narrativa se entrelaça com a música “Motivon Picture Soundtrack” do “Radiohead”, e a promessa melancólica de sua letra: “Te verei na próxima vida”.

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