Manas (por Peter P. Douglas)

            Manas (2025), longa-metragem nacional dramático, distribuído pela Paris Filmes, estreia, oficialmente, nos cinemas brasileiros, a partir do dia 15 de maio de 2025, com classificação indicativa 16 anos e 107 minutos de duração.

            Drama corajoso que se insere em um grupo restrito de filmes comprometidos em denunciar realidades brutais e frequentemente invisibilizadas. Dirigido por Marianna Brennand, o longa se propõe a revelar a dura e negligenciada violência contra meninas na remota Ilha de Marajó, no Pará. Inspirada por denúncias de abusos sexuais que chocaram a própria diretora, a obra surge como um grito por mobilização contra crimes silenciosos e sistemáticos.

            No centro da narrativa, acompanhamos a história de Marcielle, interpretada brilhantemente pela estreante Jamilli Correa. Aos 13 anos, Marcielle vive em uma comunidade ribeirinha onde as alternativas de emancipação parecem se restringir à união com homens economicamente favorecidos.

            Desde os primeiros instantes, a trama mostra como a única rota para uma vida “melhor” passa por escolhas que expõem as jovens à exploração. O conceito de “balseiras” – meninas que se envolvem com visitantes nas balsas do rio em busca de recursos – simboliza essa rota desesperadora e distorcida.

            A diretora demonstra maestria ao tratar de um tema tão delicado sem recorrer a imagens explícitas de violência. A diretora opta por registrar o antes e o depois dos abusos, deixando no olhar amedrontado de Marcielle e na atmosfera opressiva dos ambientes – seja na interação diária entre irmãos, no ritual da colheita do açaí ou nos cultos religiosos que pregam a aceitação do inescapável – o eco das agressões sofridas. Essa abordagem subliminar permite que a angústia e o horror se revelem de forma quase poética, sem expor as jovens atrizes a cenas que poderiam gerar traumas reais.

            O roteiro, assinado por uma equipe de escritores que inclui Camila Agustini, Carolina Benevides, Marcelo Grabowsky, Antonia Pellegrino e Felipe Sholl, equilibra a denúncia social com elementos ficcionais complexos. Ele expõe, por meio de símbolos recorrentes – como a aquisição de itens de identificação, objetos que remetem à objetificação e momentos de abuso disfarçados de rotinas corriqueiras – as armadilhas de uma cultura que naturaliza a violência. Nesse sentido, o filme denuncia não apenas o abuso físico, mas também a perpetuação de normas sociais e religiosas que mantêm suas vítimas acorrentadas a um destino de submissão.

            O elenco contribui decisivamente para o impacto da narrativa. Rômulo Braga, em uma bela atuação, constrói o personagem do pai abusivo de forma a fugir da caricatura do vilão unidimensional. Sua interpretação, pontuada por gestos contidos e uma voz surpreendentemente suave, contrasta com os instantes de brutalidade. Dira Paes, em participação especial, e Fátima Macedo, que retrata uma mãe conivente, oferecem performances que reforçam o clima de opressão e resignação que permeia a comunidade. Cada cena é cuidadosamente composta para garantir que o espectador compreenda a complexidade de um ambiente onde a violência se transforma em rotina e a falta de oportunidades perpetua o ciclo do abuso.

            Um dos pontos altos do filme é justamente a sua honestidade estética. A câmera se move com agilidade por cenários naturais e ambientes domésticos, capturando com sensibilidade desde os momentos de intimidade entre as personagens até os rituais comunitários mais enraizados. Essa combinação de um olhar quase documental com uma narrativa ficcional intensa confere ao filme uma autenticidade ainda mais visceral.

            O final do longa se apresenta de forma surpreendente, afastando-se do lugar-comum de retratar suas protagonistas somente como mártires eternas da opressão. Em vez disso, o roteiro oferece uma proposta – embora improvável em certos aspectos – de ressignificação e resistência. É o desejo de mostrar mulheres determinadas a não aceitar passivamente a sina imposta por uma cultura retrógrada que reforça a mensagem de que, mesmo em meio à dor e à miséria, há espaço para a esperança e a transformação.

            Em resumo, “Manas” é uma obra intensa e provocativa, que, ao abordar as violações sofridas por meninas em uma das regiões mais esquecidas do Brasil, convida o espectador a refletir sobre as causas profundas de uma violência que atravessa gerações.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *