
Entre Nós, O Amor (Une Vie Rêvée, 2023), longa-metragem dramático francês, distribuído pela Imovision, estreou, oficialmente, nos cinemas brasileiros, durante o 1º Festival de Cinema Europeu Imovision, com classificação indicativa 16 anos e 97 minutos de duração.
Ao acompanhar a jornada de Nicole, uma mãe desempregada na casa dos cinquenta anos que cria sozinha seu filho adolescente, o segundo longa-metragem de Morgan Simon se insere no universo dos filmes sociais. A obra combina a observação de questões atuais — como o desemprego, a segregação entre o centro e as periferias e as fraturas comunitárias nos subúrbios — com um drama intimista, centrado na relação intensa e, por vezes, tóxica entre mãe e filho.
No entanto, a escolha de elenco traz um elemento que altera um pouco a dinâmica esperada. Valeria Bruni-Tedeschi assume o papel de Nicole, e sua presença carrega traços marcantes de sua persona artística. Sua excentricidade e tendência a interpretações extremas e exageradas, características que já explorou em suas autoficções, acabam por influenciar a construção da personagem, conferindo à narrativa um tom distinto do convencional dentro do gênero.
Suas interpretações, geralmente associadas a um costume burguês, entram em choque com a inscrição social da personagem. Morgan Simon parece plenamente consciente desse contratipo — e, em certos momentos, até se diverte com ele, como ao filmar Nicole vestindo um boné de couro sintético enquanto fuma um narguilé.
A protagonista é retratada como uma mulher exausta pela vida, que mantém uma relação ambígua e conflitante com a realidade, algo evidenciado pela decoração de seu apartamento, repleto de plantas tropicais artificiais, criando a ilusão de uma selva doméstica.
A inspiração vinda de Gena Rowlands em “Uma Mulher Sob Influência” (1974), de John Cassavetes, é perceptível, especialmente na citação explícita no final do filme, onde Valeria Bruni-Tedeschi recria os passos de dança da atriz. No entanto, comparar o presente longa com sua inspiração, não o favore, pois enquanto Rowlands mergulhava na loucura e levava sua personagem a um abismo existencial profundamente perturbador, Nicole permanece apenas vagamente exuberante.
Isso ocorre porque, em Cassavetes, a atuação de Rowlands impulsionava a mise en scène e a montagem, estendendo e esgotando as sequências até o limite. Já em “Entre Nós, O Amor”, a trajetória de Nicole serve a uma escrita marcante, mas sem a mesma carga emocional.
A conexão com a personagem se mantém distante — é difícil enxergar Nicole além da atriz, que, maquiada como uma desempregada, exagera nos estereótipos sociais. Um exemplo disso é a cena em que Bruni-Tedeschi conta seus vales-restaurante para pagar sua ceia de Natal— um modesto cardápio do McDonald’s — num gesto que beira o absurdo.
A trama do drama social revela sua artificialidade de forma evidente, especialmente quando Nicole, após uma discussão violenta com seu filho, se vê abandonada e acaba se aproximando do dono do “L’Oasis du Pacha”. O discurso sociológico ganha peso, abordando temas como tensões raciais, racismo e abstenção eleitoral — mas sem conseguir escapar de uma série de lugares-comuns.
Os jovens suburbanos, inicialmente retratados de maneira estereotipada como figuras ameaçadoras, ouvindo rap e fumando nos cantos dos prédios, são repentinamente redimidos em uma conversa no bar, onde um deles se emociona ao falar sobre sua mãe — um clichê substituindo outro.
As resoluções narrativas acabam se assemelhando a soluções milagrosas aplicadas a uma sociedade em crise, seja por meio de uma “convivência” forçada através de um improvável romance lésbico ou por um telefonema oportuno do centro de emprego.
O período em que a história se desenrola — o fim de ano — assume um papel simbólico, e “Entre Nós, O Amor” termina como um filme de Natal cuja ingenuidade surpreende pela falta de profundidade.