Bolero – A Melodia Eterna (por Peter P. Douglas)

            Bolero – A Melodia Eterna (Bolero, 2024), longa-metragem francês de drama biográfico, distribuído pela Mares Filmes, estreia, oficialmente, nos cinemas brasileiros, a partir do dia 17 de abril de 2025, com classificação indicativa 14 anos e 120 minutos de duração.

            De onde surge a inspiração artística? Como o gênio sai da garrafa? É claro que não há respostas definitivas para o mistério dessas criações, além de alguns ingredientes básicos, como talento, uma busca pessoal e o encontro fascinante da psique profunda do artista com as circunstâncias de sua vida.

            “Eu não acredito em musas, eu acredito na música, eu a honro e rezo para ela, mas ela nem sempre me responde” assim declarou Maurice Ravel, cujo processo criativo por trás de sua composição mundialmente famosa, o Bolero, tornou-se o foco da análise da diretora francesa Anne Fontaine em “Bolero – A Melodia Eterna”.

            Um longa-metragem clássico que reflete a disciplina e a experiência da diretora, cuja trajetória inclui 18 filmes, alguns deles ambientados em períodos históricos, como Agnus Dei (2016) e Coco Antes de Chanel (2009). Aqui, uma melodia original cantarola suavemente ao fundo, permeada por uma persistente melancolia e contenção, ecoando a elegância do protagonista.

            A partir desse cenário, desenha-se um ritmo narrativo preciso e meticuloso, conduzido pelo desejo de manter o espectador imerso sem se perder na sedução da melodia. E, embora o público saiba que a música verá a luz do dia, o filme impede qualquer antecipação fácil de seu grandioso desfecho. Sob a superfície de um drama biográfico, centrado na composição cuja aclamação mundial eternizou seu criador, a diretora constrói, na verdade, o retrato intrigante de um homem que renuncia à felicidade e aguarda o infortúnio. Dessa tensão, nasce uma obra-prima.

            O ano é 1928, e Maurice Ravel (Raphaël Personnaz), enfrenta longas noites de insônia. Reconhecido mundialmente como compositor, mas alvo de críticas por um estilo considerado pouco emotivo, ele recebe a proposta da determinada coreógrafa Ida Rubinstein (Jeanne Balibar) para criar uma composição para o balé. Bloqueado criativamente, Ravel encontra apoio em Misia (Doria Tillier), por quem nutre uma paixão intensa, e em seus amigos Marguerite (Emmanuelle Devos), Cipa (Vincent Perez) e Madame Revelot (Sophie Guillemin). Eventualmente, ele supera o impasse e dá vida à assombrosa e hipnótica ária, construída sobre um tetracórdio descendente — “o som das origens, a fundação primitiva”. No entanto, assim como sua obra, sua própria existência reflete um ciclo de repetição, colapso e explosão, revelando, através de breves flashbacks, um passado que pesa silenciosamente sobre sua alma.

            Um espetáculo musical, com interpretações de peças de Ravel ao piano por Alexandre Tharaud, o filme revela, sob sua estrutura clássica, uma dor silenciosa. Mais do que uma cinebiografia, o filme constrói um olhar atento sobre a complexa psicologia de um gênio que, por vezes, se perde em sua própria música, imersa em sons e silêncios. Alheio à vida comunitária, mas ávido por experimentá-la, ele surge como uma figura simultaneamente fatalista e fascinante. A diretora habilmente tece um retrato envolvente, pontuado por seduções sutis, convidando o público a se aproximar desse personagem enigmático.

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