Sempre Garotas (por Peter P. Douglas)

            Sempre Garotas (Girls Will Be Girls, 2024), longa-metragem de drama e romance, coprodução Índia, França, Estados Unidos e Noruega, distribuído pela Filmes do Estação, estreia, oficialmente, nos cinemas brasileiros, a partir do dia 01 de maio de 2025, com classificação indicativa 16 anos e 118 minutos de duração.

            A diretora Shuchi Talati, apresenta uma história de amadurecimento sobre uma adolescente que está tentando lidar com seus novos sentimentos românticos, desejos sexuais crescentes e tensões familiares de longa data, tudo isso em uma sociedade onde nenhum desses temas pode ser falado abertamente. Com uma narrativa delicada, personagens complexos e um trabalho de câmera íntimo e sensorial, o impressionante filme de estreia de Talati consegue fazer todos esses elementos não ditos soarem alto e claro.

            Mira (Preeti Panigrahi), de dezesseis anos, é a aluna modelo de um rigoroso internato situado aos pés do Himalaia, nos anos 90. Ela conquistou o título de primeira mulher a se tornar monitora chefe de turma na história da escola, mérito de seu excelente desempenho acadêmico e sua rigorosa adesão às inúmeras regras da instituição. Mira mantém suas notas impecáveis nos testes, a barra da saia sempre baixa e cumpre com precisão as solicitações dos professores, como liderar os colegas no juramento da escola. Como chefe de turma, ela também é encarregada de repreender outras alunas que não conseguem atender aos elevados padrões exigidos.

            A chance de deixar para trás a vida de aluna exemplar surge na figura de Srinivas, ou “Sri” (Kesav Binoy Kiron), um estudante estrangeiro alto e de sorriso tímido que foi recentemente transferido de Hong Kong. Para ele, as numerosas regras e regulamentos do internato são claramente sufocantes. Certo dia, Sri convida Mira para participar de seu clube de astronomia, e, após alguns momentos observando as estrelas juntos e rindo, se envolvem em um romance secreto.

            Durante essa cena, assim como em diversas outras de caráter romântico, a câmera sensível de Talati foca nas mãos do jovem casal. Naquela primeira noite, eles estabelecem uma regra de “nada de besteira” (só falarem diretamente sobre qualquer assunto), prometendo serem sempre honestos um com o outro. No entanto, é através das mãos que a comunicação mais sincera acontece — esticando-se, afastando-se, unindo-se e separando-se enquanto buscam uma forma de expressar sentimentos profundos para os quais ainda não encontraram palavras.

            Como Mira e Sri não podem ser vistos juntos na escola, acabam passando a maior parte do tempo na casa de Mira, sempre sob o olhar atento de sua mãe, Anila (Kani Kusruti). Anila, que também passou sua adolescência em um internato, enfrentou pais controladores e um casamento precoce, aceita mais o relacionamento de sua filha do que se poderia imaginar. Embora não permita que Mira chame Sri de namorado, ela o autoriza a visitá-las, criando um ambiente onde os dois podem estudar juntos, desfrutar de milk-shakes feitos em casa e até mesmo compartilhar momentos descontraídos de dança.

            A dinâmica que se desenrola entre essas três pessoas, nesse espaço privado, rapidamente assume um rumo estranho e fascinante. A relação de Anila com Sri varia entre maternal e algo mais ambíguo, como se ela estivesse tentando reviver parte de sua juventude perdida ao se envolver no romance de sua filha. Durante esses encontros de estudo, mãe e filha trocam olhares intensos, competindo silenciosamente pela atenção de Sri, incapazes de expressar o que realmente está acontecendo. A cada interação, o ambiente se torna cada vez mais carregado com as verdades que ambas conhecem — e que sabem que a outra também conhece — mas que permanecem envoltas em silêncio.

            A relação entre Mira e Sri se intensifica à medida que exploram o sexo, primeiro através de um computador em um cibercafé e depois aplicando o que aprenderam em um encontro nas colinas. Há uma excitação, uma sensação intensa de vivacidade nessas cenas, mas também uma crescente sensação de perigo. Panigrahi oferece uma atuação maravilhosa, capturando a natureza contraditória da juventude, onde a autoconfiança inabalável coexiste com uma profunda vulnerabilidade.

            Embora Mira seja o centro das atenções, cada personagem é apresentado com um padrão igualmente complexo de medos e desejos — indivíduos travando batalhas internas entre o que realmente querem e o que acreditam que deveriam querer. Mesmo as mulheres mais velhas na vida de Mira, que perpetuam os padrões sexistas que a limitam — como quando os professores ignoram o assédio sexual praticado por alunos homens contra colegas do sexo feminino — revelam, em momentos sutis, outro sentimento por trás de suas respostas resignadas. Elas não gostam do sistema mais do que Mira, porém aprenderam a sobreviver nele.

            O mais impressionante em “Sempre Garotas” é como ele comunica com clareza todas as questões e emoções complexas presentes em sua narrativa, sem quase nunca abordá-las explicitamente. O filme explora, com maestria, o impacto de um olhar prolongado, de um sorriso contido e até do mais sutil movimento de um dedo mindinho, utilizando cada detalhe com máxima eficácia.

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